1.2. Eva: Feita de uma costela.
O perigo que a mulher representa para a sociedade fundada nos princípios patriarcais judaico-cristãos não estava completo com o mito de Lilith. Sua simbologia complementaria seu significado através da figura de Eva. Desta vez, não feita do mesmo pó, mas sim a partir de uma costela retirada do próprio Adão.
Conforme a narrativa do Gênesis, durante o sono de Adão é que ela foi tirada de uma de suas costelas: daí a crença na subordinação da mulher ao homem. Eva é considerada a primeira mulher, a primeira esposa. (Chevalier, 2001). Podemos notar que Eva foi moldada exatamente como as exigências da sociedade patriarcal. A mulher feita a partir de um fragmento de Adão. É o modelo feminino permitido à mulher pelo padrão ético judaico-cristão. A mulher submissa e voltada ao lar, literalmente a mãe de toda a humanidade.
Eva, denominada por Adão “a mãe de todos os seres viventes”, é mais fácil de ser subjugada porque não foi feita como ele do pó, mas de uma parte dele. Entretanto, ela também demonstrou a sua capacidade de ser perigosa (Laraia, 1997).Segundo a tradição patrística, Adão e Eva antes de comerem o fruto do Bem e do Mal estão cobertos de um manto de incorruptibilidade (Chevalier, 2001). Seus apetites inferiores são submissos à razão e eles vivem em harmonia.
Eva, porém, à sua maneira, repetiria o gesto de rebelião de sua antecessora. Deus tinha permitido ao homem comer todas as frutas do jardim, com apenas uma exceção ”Mas da árvore da ciência do bem e do mal, d’ela não comerás; porque no dia que d’ela comeres, certamente morrerás” (Gen. 2:2-17). É exatamente esta interdição que é rompida por Eva.
Ao ser seduzida pela serpente, desobedeceu a ordem de Deus de não comer do fruto proibido e convenceu ao homem a fazer o mesmo: “Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi” – (Gên. 3:1-12) condenando a toda humanidade a sofrer com a morte, a dor e a fome. Para Laraia (1997), a versão canônica é que a mulher assim procedeu tentada pela serpente, sob a alegação de que o consumo da fruta proibida a tornaria tão poderosa como Deus. Acreditando na pérfida serpente, Eva comeu do fruto proibido e convenceu o seu companheiro a fazer o mesmo. A punição por este ato de desobediência original foi a perda da imortalidade, a expulsão do paraíso e a ruptura da aliança com Deus. A partir de então os homens tornaram-se mortais, sofrendo todos os tipos de sofrimentos e prostrações. Desse modo, na cultura patriarcal, Eva designará a mulher, sinônimo da concupiscência, pecadora que caiu em tentação e é responsável por todos os males do mundo. Adão será sinônimo do homem e do espírito, inabalável em seus ideais, corruptível somente pela tentação despertada pelo ser feminino.
“Estruturalmente, Lilith e Eva cometeram o mesmo crime, o da desobediência ao Senhor e foram punidas da mesma forma: Todos os dias, por toda a eternidade, Lilith, “a mãe dos demônios” tem que se conformar com a morte de 100 lilim; da mesma forma, Eva é a responsável pela morte de todos os seus descendentes que poderiam ser imortais se continuassem a viver no Paraiso.” (Laraia, 1997. p.05)
No mito de Lilith, feita do mesmo barro e criada na mesma época que Adão, temos a representação do feminino como algo perigoso e pertubador. Uma agitadora que, não aceita as regras impostas pelo parceiro – como ficar por baixo na relação sexual. Ao se rebelar contra Adão foi castigada sendo impossibilitada de ter uma vida “humana”, passando a viver, segundo o mito como um demônio, e é o seu caráter demoníaco que leva a mulher a contrariar o homem e o questionar em seu poder (Chevalier, 2001).
No mito de Eva, feita de uma costela e criada quando este se achava sozinho, temos a representação do feminino como subjugada e não confiável. Através da sedução deixou-se tentar e tentou seu companheiro, rompendo a barreira da obediência, e com isso acarretando o grande problema da subordinação feminina às vontades e desejos do homem. Eva foi castigada por seu pecado original a verter sangue todos os meses e a seus descendentes nascerem pecadores.
Durante séculos a mulher foi vista e tratada como inferior – visão que continua em voga em determinados lugares e culturas. Segundo o médico Eliezer Berenstein (2000) a visão na idade média era de que devido ao pecado de Eva “A mulher era uma criatura pecadora, que deve ser severamente ou até violentamente controlada e, se mesmo assim não resolver, ser queimada durante a menstruação.” (p.62)
Millor Fernandes (1972), ao abordar o tema de Adão e Eva em seu Livro Esta é a verdadeira história do Paraíso, mostra-nos uma conversa de Deus com Eva, representada em seus diversos papéis e funções no seguinte trecho:
“Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensará que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.” (pág. s/nº)