OXUM MUIWÁ
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texto de JOSÉ FELIX DOS SANTOS*
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Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, Oxum Muiwá, filha legítima de Félix do Espírito Santo e Claudiana do Espírito Santo, nasceu em 31 de março de 1900, na Ladeira da Praça em Salvador, Bahia.
Era descendente da nobre e tradicional família Asipá, originária de Oyo e Ketu na África, importantes cidades do império Yoruba. Sua trisavó, Sra. Marcelina da Silva, Oba Tossi, foi uma das fundadoras da primeira casa da tradição nagô no Brasil o Ilê Axé Aira Intile, Candomblé da Barroquinha, depois Casa Branca do Engenho Velho, que deu origem aos terreiros do Gantois (Ilê Axé Omi Iyamassê) e o Ilê Axé Opô Afonjá, do São Gonçalo do Retiro.
Não se tem muita informação sobre a vida de Maria Bibiana, do nascimento até os 7 anos, talvez em razão da pouca importância que se dá nas comunidades de candomblé aos fatos e datas da vida secular e do pudor cerimonioso com que são tratados os fatos da vida pessoal dos seus membros, sobretudo aqueles tornados líderes, com uma posição e autoridade a serem preservados.
O que sabemos é que foi iniciada aos 7 anos de idade e, nesta época, já recebeu de sua mãe-de-santo, Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Obá Biyi, a “cuia” que pertencera à sua bisavó, Marcelina Obatossí. O merecimento excepcional obtido por Senhora em tão tenra idade, deveu-se à sua linhagem familiar e espiritual.
Senhora foi preparada por Obá Biyi para ser sua sucessora. No Axé Opó Afonjá foi a Ossi Dagã e nas ausências de Mãe Aninha, assumia os cuidados com o culto e os filhos da Casa, auxiliando as tias e irmãs mais antigas no comando da comunidade.
Com a morte de Mãe Aninha e “depois de realizadas todas as obrigações e preceitos de acordo com a liturgia da seita, e tudo regularizado dentro do Axé Opô Afonjá”, em junho de 1939, Mãe Senhora assume, ainda com o título de Ialaxé, a direção do terreiro – “como era de direito, devido à sua tradicional família da nação Ketu, ao lado de Mãe Bada, Maria da Purificação Lopes, Olufan Deiyi, já idosa, mas reconhecidamente sábia e experiente, propiciando uma transição segura e tranquila até a sucessão concluída com sua morte e luto ritual. Segundo Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi, seu único filho biológico, Mãe Senhora torna-se de fato e direito a Ialorixá do Axé, em 19 de agosto de 1942.”
No Ilê Agboulá, comunidade do culto dos Eguns de Ponta de Areia, ilha de Itaparica, exerceu sua liderança e recebeu o título mais elevado dado a uma mulher – Iya Egbé.
Sua fé em Xangô era inabalável, e sua dedicação ao orixá de sua mãe-de-santo era “maior até que ao seu próprio orixá” – que ela chamava de “meu anjo da guarda”.
Mesmo não residindo “na roça”, estava presente e tudo controlava com extremo rigor e pontualidade, empenhando todos os esforços para a fidelidade dos preceitos com entusiasmada dedicação.
Esta Senhora de Oxum de forte personalidade, deu seguimento às comemorações e festas tradicionais de acordo com o calendário estabelecido por Dona Aninha. Mantinha muitos dos hábitos instituídos por sua mãe-de-santo, como ter a sua manutenção econômica assegurada por atividade independente do sacerdócio.
Vivia o sacerdócio como uma missão. A partir de 1942, Senhora, já ialorixá, começou a tomar providências importantes para neutralizar as reticências e oposições que por ventura ainda perdurassem no interior do egbé e a substituir cargos tornados vacantes por afastamento, morte ou para reforçar sua liderança.
Criou então os cargos de substitutos no quadro dos Obás de Xangô – os otuns e os ossi obás – ou seja, os primeiros e segundos substitutos dos titulares, ampliando o quadro inicial dos 12 titulares para 36. E aprimorou a instituição, definindo suas funções e estendendo a escolha dos obás para o âmbito social, além dos limites da comunidade religiosa.
Provavelmente já como fruto desta nova orientação no corpo dos obás, Senhora e o Axé começaram a colher frutos importantes. Pierre Verger, que desde 1946 fixara residência na Bahia e, a partir de 48, fazia frequentes viagens à Africa, já desenvolvendo pesquisas, tornou-se um interlocutor interessado na retomada das relações entre afro-brasileiros e africanos. Foi assim, que em 1952, Dona Senhora, Oxum Muiwá, recebeu do Oba Adeniram Adeyemi, o Alafin (rei) de Oió, na Nigéria, um edun ará e um xerê de Xangô, acompanhados de uma carta, tratando-a com título de Iyanassô.
Como explica Vivaldo da Costa Lima, num artigo intitulado Ainda sobre a Nação Queto, Iyanassô é um título altamente honorífico, privativo da corte de Alafin de Oió, isto é, o “rei de todos os yorubás”. É a Iyá Nassó quem, em Oió, a capital da nação política dos yorubás, se encarrega do culto de Xangô, a principal divindade dos yorubás e o orixá pessoal do rei.
Dona Maria Bibiana do Espírito Santo comungava do entusiasmo de Pierre Verger de verem reatadas as relações culturais com a África e recebia com frequência a visita de intelectuais e embaixadores de países africanos como Daomé, Ghana e Senegal. O governo senegalês conferiu-lhe, em 1966, a comenda do “Cavalheiro da Ordem do Mérito”, pelos relevantes serviços prestados na preservação da cultura africana no Novo Mundo.
Dona Senhora de Oxum teve a satisfação de ver reconhecida a sua liderança espiritual, ainda em vida, em muitas homenagens que recebeu:
Em 1957, por ocasião do cinquentenário de sua iniciação, foi homenageada com uma grande festa no barracão do Axé lotado dos filhos-de-santo, obás e demais integrantes do egbé, delegações dos mais diversos candomblés da Bahia, personalidades da vida intelectual, muitas delas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo, inclusive representações do presidente Juscelino Kubitschek e do seu ministro da Educação.
Em 1959, por ocasião do IV Colóquio Luso-Brasileiro, realizado pela UFBA, Dona Senhora ofereceu no Axé um grande amalá de Xangô, numa festa pública dedicada aos congressistas. Durante a festa, o escritor Jorge Amado saudou os convidados, em nome do terreiro e de sua ialorixá, dizendo “…Estais em vossa casa porque este terreiro de Xangô, este candomblé de Senhora, tem sido – permanentemente e sempre – uma casa da cultura e da inteligência baiana… somos orgulhosos deste templo e de seu significado. Aqui passaram e estudaram Martiniano do Bonfim, babalaô da casa, nosso Édison Carneiro, o feiticeiro Pierre Verger e hoje nós, homens de cultura, somos os defensores do seu segredo e de sua grandeza, ao lado desta figura invulgar de mulher, feita de uma só peça, rainha, se a este título damos sua significação mais profunda…”
Em 1965, Mãe Senhora recebeu o título de “Mãe Preta do Brasil” e foi aclamada pelas comunidades religiosas afro-brasileiras, que lotaram o Maracanã, no Rio de janeiro, com seus representantes, além de políticos e jornalistas.
Deixamos com Mestre Didi, seu filho e importante historiador da tradição da sua comunidade, a notícia do seu falecimento: “No dia 22 de janeiro de 1967, Maria Bibiana do Espírito Santo veio a falecer pela manhã, ao nascer do sol… Mãe Senhora, assim, como todos os de sua família, morreu de repente, e talvez por isso pareceu impossível a muitos acreditar na notícia da sua morte. Tão forte ainda, aparentemente tão sadia, com aquela presença de rainha, sua força de comando, sua intimidade com os orixás!”
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*José Felix dos Santos – Bisneto de Mãe Senhora, Otun Algba do Ilê Axipa, Ogã do Ilê Axé Opô Afonjá
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NOTA DO EDITOR – O texto acima é um resumo da introdução do livro Maria Bibiana do Espírito Santo – MÃE SENHORA: saudade e memória, organizado por José Felix dos Santos e Cida Nóbrega – Salvador, Corrupio, 2000, 184 p.
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Etiquetas: Axé Opó Afonjá, Édison Carneiro, Candomblé, Ketu, Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, Mestre Didi, Pierre Verger
Essa entrada foi publicada em 31/03/2010 às 00:30 e arquivada em Baianidade, Gente da Bahia, Jeito baiano de ser, Jeito baiano de ver e sentir,
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